Amancio Ortega e a Estratégia Imobiliária que Surpreende
Na semana passada, Amancio Ortega, fundador da Zara, gigante espanhol do varejo de moda, chamou a atenção com uma venda inusitada. Ele vendeu um edifício na Madison Avenue, em Nova York, por US$ 50 milhões. O que chamou a atenção foi que ele havia pago US$ 115 milhões em 2006 – uma perda de quase 60% em termos nominais. Se considerarmos a inflação do período, a desvantagem é ainda maior.
A Mente por Trás da Zara
Para um investidor comum, essa seria uma situação desastrosa. Para Amancio Ortega, é apenas um detalhe, um tropeço irrelevante dentro de uma estratégia que o transformou em um dos maiores proprietários de imóveis do planeta. A verdadeira obra-prima de Ortega não é a Inditex, sua holding empresarial, mas sim a Pontegadea, seu family office.
Disciplina e Reinvestimento
Com paciência e disciplina, ele reinvestiu sistematicamente os dividendos bilionários da Zara em imóveis de altíssimo padrão. Londres, Paris, Madri, Miami e Nova York se tornaram parte do portfólio da Pontegadea, que hoje detém mais de 20 bilhões de dólares em ativos. Esses imóveis são prédios icônicos, alugados para inquilinos sólidos, garantindo um fluxo de caixa recorrente e previsível.
Raízes e a Tradição Ibérica
Essa disciplina tem suas raízes na vida de Ortega, nascido em 1936 no interior da Espanha, filho de um ferroviário e de uma dona de casa. Aos 14 anos, abandonou os estudos para trabalhar em uma loja de roupas em La Coruña, aprendendo a costurar, cortar tecido e lidar com clientes. Sua primeira empresa de confecções, a Confecciones GOA, surgiu em 1963. A Zara foi criada em 1975, em sociedade com sua então esposa, Rosalía Mera.
O Poder dos Dividendos
O sucesso estrondoso da Inditex lhe deu os dividendos que sustentaram o salto para o real estate. Ortega sempre manteve controle majoritário da companhia, garantindo que bilhões de euros retornem todos os anos ao seu caixa pessoal. Esse fluxo alimenta não só os investimentos imobiliários, mas também a filantropia por meio da Fundação Amancio Ortega, criada em 2001.
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Diversificação e o Futuro
Nos últimos anos, ele diversificou ainda mais, comprando participações em portos estratégicos no Reino Unido e investindo em energia renovável na Europa. A mesma lógica que aplicou na moda – escala global e visão de longo prazo – ele aplicou à gestão do patrimônio familiar.
Um Tropeço em Manhattan
O episódio de Manhattan mostra que até os maiores tropeçam. O mercado de escritórios mudou, o home office corroeu a demanda, e ativos antigos perderam valor. Vender com prejuízo faz parte do jogo. O que importa não é ganhar em cada ativo isolado, e sim manter a consistência ao longo das décadas.
A Força do Imóvel
E é aqui que o investimento imobiliário mostra sua força. Imóvel é, antes de tudo, um hedge natural contra a inflação. Preços sobem, aluguéis acompanham. Além disso, imóveis são naturalmente escassos, não se cria mais espaço no mundo. O estoque é limitado, e no segmento premium, alguns imóveis são simplesmente irreplicáveis. Exemplos como o Shopping Iguatemi em São Paulo e a avenida Vieira Souto, no Rio de Janeiro, carregam um valor que vai além da matemática.
Uma Tradição Familiar
Há também um detalhe cultural que me chama atenção. Ortega é galego, e a Galícia é a parte mais portuguesa da Espanha. Nós, descendentes de portugueses, sabemos bem: existe uma tradição ibérica no investimento imobiliário. Tijolo é segurança, é renda, é herança. É um instinto transmitido de geração em geração. Ortega imprimiu a mesma mentalidade, em escala global.
Conclusão: Consistência e Diversificação
A lição é clara: perdas pontuais vão acontecer. Mas patrimônio se constrói com diversificação, disciplina e tempo. É isso que transforma um tropeço em Manhattan em apenas uma nota de rodapé dentro de uma história de sucesso que atravessa gerações.