Moraes pode trilhar rota semelhante à dos oligarcas russos e chefes de Estado autoritários, em conformidade com a Lei Magnitsky
Ministro pode ser alvo de sanções e afastado do sistema financeiro global, similar a casos de apoiadores de Putin, militares de Mianmar e executivos afr…
A medida do governo de Donald Trump contra o ministro Alexandre de Moraes, fundamentada na Lei Magnitsky, acerca o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) de uma lista restrita e simbólica: a de pessoas acusadas pelos Estados Unidos de graves violações de direitos humanos ou corrupção sistêmica.
A nomeação acarreta riscos práticos ao juiz, com potencial de exclusão financeira, digital e até social.
Desde a criação da norma, em 2012, incluem-se mais de 670 sancionados, como oligarcas russos, militares birmaneses, líderes autoritários e empresários ligados ao tráfico humano e à repressão política.
A punição já causou a perda de contas bancárias, cartões de crédito, perfis digitais, contratos com plataformas de tecnologia e até acesso a serviços de streaming para empresários próximos a Vladimir Putin.
A aplicação da lei a Moraes, formalizada em 30 de julho de 2025, coloca o Brasil no mesmo patamar de países como China, Síria, Irã, Venezuela, Bulgária e Camboja, nações com histórico de repressão. Não há, até agora, nenhuma outra autoridade brasileira ou empresa nacional listada na Magnitsky.
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Apesar de Moraes não deter bens declarados nos Estados Unidos, os impactos indiretos da sanção podem ser consideráveis. De acordo com a legislação, empresas americanas estão impedidas de manter contato com os sancionados, sujeitando-se a multas de valor bilionário.
Devido a isso, bancos no Brasil, por utilizarem sistemas financeiros em dólar e trabalharem com instituições americanas, podem cancelar contas vinculadas a Moraes. A mesma lógica se aplica a bandeiras de cartão de crédito (como Visa e Mastercard), aplicativos, plataformas de streaming e operadoras de celulares. Até mesmo o uso de iPhones pode ser bloqueado, caso o iCloud e a App Store impeçam o acesso.
Experiências de outros sancionados reforçam o alerta.
Após o início da guerra na Ucrânia, oligarcas russos começaram a receber notificações de encerramento de contas em bancos europeus, asiáticos e do Oriente Médio. Em pouco tempo, muitos já não conseguiam utilizar cartões de crédito ou manter contratos com empresas internacionais.
Incidências parecidas foram registradas com generais de Myanmar envolvidos em ataques contra a minoria rohingya e com o líder checheno Ramzan Kadyrov, parceiro de Putin, sob acusações de tortura e desaparecimentos forçados. Até organizações esportivas e instituições relacionadas a ele sofreram sanções.
A legislação também se aplica na América Latina. No Guatemala, dois ex-parlamentares foram punidos por tentar interferir na nomeação de juízes. Já na África, empresários ligados a contrabando de ouro foram atingidos em parceria com o Reino Unido, com o congelamento de ativos em múltiplos países. A China lidera o número de designações, com foco em violações contra uigures na região de Xinjiang.
O caso de Moraes é o primeiro a avaliar os impactos da Lei Magnitsky em uma democracia ocidental estabelecida. Em segredo, bancos brasileiros consideram manter ou não o relacionamento com o ministro, considerando o risco de sanções adicionais.
A remuneração de ministros do STF em bancos públicos com operação internacional gera preocupações sobre a manutenção dos serviços. Considerou-se a transferência das contas para cooperativas de crédito, porém, essa alternativa foi descartada.
Além dos aspectos financeiros, a inclusão de Moraes expõe o emprego político da legislação. A pressão pela punição foi organizada por apoiadores de Jair Bolsonaro nos Estados Unidos, notadamente seu filho Eduardo Bolsonaro, que busca levar o confronto com o Supremo Tribunal Federal para o cenário internacional.
O Departamento do Tesouro americano não apresentou evidências públicas contra Moraes, apenas citações genéricas sobre a repressão de liberdades.
História
A partir de 2022, com a sua consolidação como lei permanente, a Magnitsky passou a ser considerada uma ferramenta diplomática. A regulamentação surgiu em 2009, em decorrência da morte do advogado russo Sergei Magnitsky, que expôs um esquema fraudulento de bilhões de dólares envolvendo figuras de Moscou.
Capturado, submetido a tortura e assassinado em uma cela, Magnitsky tornou-se símbolo global da luta contra a impunidade estatal. Posteriormente, a legislação foi ampliada para abranger qualquer pessoa envolvida em abusos sistemáticos de direitos humanos ou corrupção, com penalidades que incluem proibição de entrada nos EUA, bloqueio de ativos e interrupção de relações com empresas americanas.
As penalidades têm um efeito que se estende além da apreensão de ativos.
Pesquisas recentes auxiliam na compreensão de que a aplicação da Lei Magnitsky a Moraes pode gerar impactos de longa duração, ainda que não possua ativos ou propriedades nos Estados Unidos.
Uma pesquisa empírica, realizada em 2023 pelo jurista Anton Moiseienko, em colaboração com o International Lawyers Project, examinou os impactos concretos da sanção imposta a 20 indivíduos listados sob a Magnitsky Global.
Moiseienko, professor e pesquisador da Australian National University, apontou ao Law Society Journal que a eficácia das sanções é frequentemente debatida em termos teóricos.
Existe um debate de longa data sobre se as sanções são eficazes e o que isso significa, afirmou. O desafio reside no fato de que a discussão pode se tornar excessivamente teórica quando as pessoas começam a falar sobre o que a eficácia pode significar, quais são os objetivos das sanções e o que elas pretendem alcançar.
A pesquisa buscou uma abordagem mais prática: determinar o que realmente transformou a vida dos indivíduos sancionados. O levantamento revelou que, apesar de um terço dos alvos não ter sido afetado diretamente pelo bloqueio de bens, a maioria experimentou consequências significativas: bancos e empresas do setor privado passaram a evitar qualquer relação com os sancionados, mesmo em países que não estão sujeitos à legislação americana.
Também há consequências menos diretas das sanções, afirmou Moiseienko. “Mas ainda são consequências muito importantes. Por exemplo, bancos em países que não são obrigados a cumprir as sanções americanas continuam recusando o cliente alvo. Isso não é uma consequência direta das sanções, no sentido de que não é uma exigência deles, mas afeta significativamente a vida dos indivíduos envolvidos.”
A pesquisa indica que a inclusão na lista Magnitsky frequentemente desencadeou investigações criminais locais, devido à atenção internacional que a lista proporcionava a denúncias de corrupção ou violações de direitos humanos.
A conjugação de obstáculos financeiros, a perda de credibilidade e as respostas de corporações internacionais tem-se revelado mais eficiente do que simplesmente impedir a entrada nos Estados Unidos.
Fonte por: InfoMoney