Rendimento de indivíduos com alta renda aumentou significativamente após a pandemia, aponta pesquisa
A média de aumento anual das rendas dos super-ricos foi de 66,9%.
Com o projeto de lei (PL) que estabelece uma alíquota mínima do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) para quem recebe mais de R$ 600 mil, entre as prioridades da Câmara neste segundo semestre, um estudo publicado hoje demonstra que os ultra-ricos têm seus ganhos aumentar ainda mais rapidamente após a pandemia de Covid-19, resultando em uma maior concentração de renda.
Entre 2017 e 2023, a renda dos brasileiros que pertencem ao grupo dos 0,1% mais ricos – que totalizam cerca de 160 mil pessoas, considerando indivíduos com 18 anos ou mais – aumentou em média 6,9% ao ano, enquanto a renda média de toda a população cresceu apenas 1,4% ao mesmo período. Consequentemente, a parcela do rendimento total concentrada nesse grupo superior aumentou de 9,1%, em 2017, para 12,5%, em 2023.
Em 2023, a concentração de renda se manteve alta, com o 1% mais rico – correspondendo a 1,6 milhão de pessoas – detendo 24,3% do total de rendimentos, enquanto apenas o grupo de 0,1% acumulava a outra metade.
Para alcançar o grupo de 1% mais ricos, é necessário obter uma renda anual superior a R$ 417 mil. No grupo de 0,1%, o mínimo de rendimento anual é de 1,754 milhão.
Inflação e lucros
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Segundo o economista SÉRGIO GOBETTI, assessor da Secretaria de Estado de Fazenda do Rio Grande do Sul e coautor do estudo, com Frederico Nascimento Dutra e Priscila Kaiser Monteiro, o crescimento dos rendimentos no topo e o aumento da concentração podem ser resultado da inflação pós-pandemia – as empresas aproveitaram para aumentar os lucros – e reforçam a necessidade do aumento da tributação sobre os super-ricos, principalmente devido à isenção sobre os dividendos.
Os dividendos, principal modalidade de distribuição dos lucros das empresas aos seus sócios ou acionistas, não estão sujeitos ao pagamento do Imposto de Renda Pessoa Física.
O estudo indica que o fator determinante para o aumento do rendimento médio dos super-ricos entre 2017 e 2023 foi o pagamento de lucros e dividendos. As receitas provenientes de salários e benefícios apresentaram declínio, o que, segundo Gobetti, sugere a “pejotização”, processo em que profissionais qualificados estabelecem empresas para receber a remuneração pelo trabalho por meio de prestação de serviços, em detrimento do salário formal com carteira assinada.
“Isso redobra a importância de se alterar o tratamento tributário que é dado a lucros e dividendos. Torna mais evidente a necessidade de uma reforma. Ainda mais quando se considera o cenário global. Na última década, a maioria das economias do mundo avançou com o aumento da tributação sobre dividendos no nível do indivíduo e a redução da tributação sobre o lucro no nível das empresas”, declarou Gobetti.
Concentração do agronegócio
A análise setorial local indica, ainda, uma alta concentração de renda ligada ao desempenho do setor agrícola. A partir da pandemia, a combinação de preços elevados de commodities com a desvalorização da moeda nacional impulsionou os ganhos dos produtores em termos de valor em reais.
Em Mato Grosso, a parte da renda total do estado que vai para a produção de grãos, concentrada nos mais ricos, aumentou quase o dobro, passando de 9,7% em 2017 para 17,4% em 2023.
Gobetti destacou que o estudo confirma as estimativas, já divulgadas pelo Ministério da Fazenda, de que um número pequeno de contribuintes será impactado pela alíquota mínima do IRPF proposta no PL enviado ao Congresso.
Com o número de pessoas com renda anual acima de R$ 600 mil no Brasil, que seriam passíveis do imposto mínimo, temos cerca de 600 mil a 700 mil indivíduos. Segundo estimativas da Receita, apenas 140 mil dessas pessoas estariam sujeitas a essa alíquota. Grande parte já cumpre o mínimo de 10%, conforme completou Gobetti.
Essas estimativas foram elaboradas a partir do Projeto de Lei original apresentado ao Congresso pelo governo. De acordo com os cálculos dos pesquisadores Guilherme Klein Martins e João Pedro de Freitas Gomes, do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made), da USP, o parecer do relator do PL na Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ex-presidente da casa, não promoveu alterações relevantes nos resultados.
O estudo de Gobetti, Dutra e Priscila emprega dados das informações do IRPF e da Receita Federal para avaliar o rendimento dos indivíduos com maior renda, utilizando dados tributários, que são considerados mais precisos do que os obtidos em pesquisas domiciliares, como a PNAD Contínua do IBGE.
As informações nas contas de estudo, utilizando os dados administrativos do IRPF, mostram que a renda total do 0,1% mais rico da população adulta é 12 vezes superior àquela apurada na Pnad, realizada por amostragem, com base nas informações fornecidas em entrevistas.
Inflação e redução da pobreza
A última divulgação da PNAD Contínua sobre os rendimentos de todas as fontes, lançada em maio, evidenciou o crescimento da renda em 2023 e 2024. O progresso ocorreu de forma mais intensa entre as pessoas com menor renda.
Naquele período, tanto o IBGE quanto especialistas atribuíram o desempenho a uma combinação da consolidação do Bolsa Família com um benefício maior – após a majoração de 2022, durante a campanha eleitoral para presidente – com o bom momento do mercado de trabalho.
De acordo com os dados, o Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV Social) estimou que 6 milhões de pessoas abandonaram a situação da extrema pobreza em 2023 e 2024. Os cálculos do IBGE indicaram uma redução da desigualdade no ano passado.
Conforme Gobetti, os números na base da pirâmide, relativos à diminuição da pobreza, correspondem à realidade, porém, ao incorporar os dados do IRPF, observa-se que a desigualdade persiste no conjunto da renda.
O Índice de Gini (calculado pelo IBGE) não está observando o aumento da renda dos mais ricos, ou está subestimando essa movimentação. Ele aponta que a renda dos mais pobres cresceu, e cresceu mais do que a renda da classe média. Isso indica uma redução da desigualdade, mas não está captando o que está ocorrendo no topo.
Simulador de posição na pirâmide de renda
Segundo especialistas já consultados pelo GLOBO, a subestimação se deve a três fatores principais: indivíduos com maiores rendas tendem a omitir informações precisas ao entrevistador, as pessoas detêm conhecimento mais detalhado sobre seus ganhos salariais em comparação com outras fontes, como dividendos, rendimentos de aplicações e aluguéis, e, devido ao número limitado de pessoas no topo da distribuição, a pesquisa por amostragem apresenta menor precisão para esse grupo.
De acordo com Gobetti, em relação ao grupo de indivíduos que recebem até R$ 3 mil por mês, aproximadamente 80% da população, os dados do IRPF e da PNAD Contínua apresentam coincidência. O economista afirmou que a metade da população brasileira ganha, em média, menos do que o valor de um salário mínimo mensal.
Para os que compõem o grupo dos 20% mais ricos, o estudo criou uma ferramenta que replica a posição de cada um na pirâmide de renda, utilizando a plataforma Fiscal Data. Através do site, o usuário insere sua renda, que pode ser estimada ou exatamente como consta na declaração do IRPF, e identifica em qual faixa de renda se encontra no país.
Fonte por: InfoMoney