Rússia e Ucrânia concordam: encontro com Trump é um marco para Putin

As negociações de sexta-feira no Alasca rompem o isolamento diplomático do líder russo em relação ao Ocidente, e líderes ucranianos e europeus temem que…

15/08/2025 5:04

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O presidente Donald Trump dedicou a semana a preparar sua reunião de alto risco com a Rússia, agendada para sexta-feira (15) no Alasca, com poucas expectativas de sucesso em alcançar avanços significativos para interromper os combates entre Rússia e Ucrânia, considerando o grande distanciamento entre as posições dos dois países.

Contudo, esses dois países em conflito concordam em um aspecto: a mera reunião com Trump já constitui uma significativa vitória para o presidente Vladimir Putin. O encontro remove o líder russo do isolamento diplomático e lhe concede a chance de persuadir o presidente americano pessoalmente.

A visita de Putin aos EUA marca o fim definitivo da ideia de isolar a Rússia.

Para a Rússia, “isso é um avanço, mesmo que não concordem em muita coisa”, afirmou Sergei Mikheyev, cientista político russo pró-guerra e figura constante na TV estatal.

O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, afastado das negociações no Alasca sobre o futuro de seu país, declarou: “Putin vai vencer nisso. Porque ele está buscando, desculpe, fotos. Ele precisa de uma foto do encontro com o presidente Trump.”

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O encontro vai além de uma simples foto. Além de amenizar o status de “paria” da Rússia no Ocidente, o encontro gerou divisões dentro da OTAN – um objetivo constante da Rússia – e adiou a ameaça de Trump de impor novas sanções duras. Há pouco mais de duas semanas, Trump prometeu que, se Putin não concordasse com um cessar-fogo até a última sexta-feira, ele puniria Moscou e países como China e Índia que ajudam a Rússia comprando seu petróleo e gás.

O período expirou sem que o conflito bélico fosse interrompido — que, de fato, se agravou com a campanha de verão da Rússia — e sem novas sanções econômicas contra a Rússia.

Em vez de sofrer sanções, Putin obteve uma cúpula, afirmou Ryhor Nizhnikau, especialista na Rússia e pesquisador sênior do Instituto Finlandês de Assuntos Internacionais. “Esta é uma vitória significativa para Putin, independentemente do resultado da cúpula.”

Antes da reunião no Alasca, apenas dois líderes ocidentais – os primeiros-ministros da pequena Eslováquia e da Hungria – se encontraram com Putin desde que ele ordenou a invasão em larga escala da Ucrânia em fevereiro de 2022 e foi alvo de um mandado internacional de prisão por crimes de guerra em março de 2023.

Diversos na Europa se mostraram surpreendidos com a decisão de Trump de promover um encontro sobre a Ucrânia que deixava de fora o presidente Zelensky, e os chefes de Estado europeus exerceram pressão sobre o líder americano para que não assinasse um pacto em detrimento da Ucrânia.

Trump buscou amenizar essas preocupações em uma videoconferência com líderes europeus, incluindo Zelensky, na quarta-feira. Os europeus afirmaram ter coordenado uma estratégia com Trump para o encontro com Putin, que incluía a demanda de que qualquer plano de paz inicie com um cessar-fogo e não seja negociado sem a Ucrânia presente.

A pesquisadora sênior do Carnegie Russia Eurasia Center, Tatiana Stanovaya, afirmou que um acordo de paz para a Ucrânia não é o verdadeiro objetivo de Putin na cúpula. “O objetivo dele é garantir o apoio de Trump para avançar as propostas russas.”

Para Putin, disse ela, o encontro é uma manobra tática para favorecer sua posição e amenizar a crescente irritação da Casa Branca com a demora do Kremlin em aceitar um cessar-fogo.

Com antecedência à cúpula, na quinta-feira, o Kremlin sinalizou que pretende abordar outros tópicos além da Ucrânia nas negociações, incluindo a possível retomada das relações econômicas com os Estados Unidos e debates sobre um novo acordo de armas nucleares. A proposta de armas faz parte dos esforços russos de longa data para apresentar a guerra na Ucrânia como parte de um conflito mais amplo entre Oriente e Ocidente.

Trump descreveu o encontro com Putin como uma oportunidade para avaliar a situação, e pretende se afastar caso um acordo de paz não pareça viável.

Tanto a Casa Branca quanto o Kremlin não divulgaram formalmente o tipo de acordo de paz que almejam. No entanto, Trump afirmou que poderia incluir “alguma troca de territórios”, uma situação que ele considera apto a negociar, tendo atuado como ex-desenvolvedor imobiliário em Nova York.

Zelensky recusou qualquer ceder de território, alegando que não possui legitimidade, conforme a Constituição ucraniana, para discutir a troca de áreas do país. A aceitação dessa proposta provavelmente geraria uma séria crise política em Kiev e avançaria um dos objetivos históricos de Putin: a queda de Zelensky.

A retomada das áreas orientais da Ucrânia também frustraria as expectativas de Trump de que os Estados Unidos pudessem um dia obter vantagens das reservas de minerais raros da Ucrânia, a maior parte localizada em territórios que a Rússia considera seus.

Segundo Samuel Charap, cientista político e coautor de um livro sobre Ucrânia e Eurásia pós-soviética, o pior cenário seria que Putin fizesse uma oferta aceitável para os EUA, mas que Zelensky não conseguisse aceitá-la internamente.

Isso poderia levar Trump a retomar a postura abertamente hostil que adotou em fevereiro, ao criticar Zelensky na Casa Branca por demonstrar pouca gratidão pela ajuda americana e por prosseguir com uma guerra que, em sua visão, a Ucrânia não conseguiria vencer.

A Rússia também recusou recentemente a proposta de troca de territórios, na qual suas forças militares se retirariam de áreas ocupadas como resultado da guerra.

“Qualquer lugar onde um soldado russo pisar será, sem dúvida, mantido pela Rússia”, declarou Kostantin Zatulin, parlamentar influente do partido de Putin, em entrevista à televisão estatal esta semana. Isso, acrescentou, é a “linha vermelha” da Rússia.

O Kremlin não sinalizou que aceitaria algo que não envolvesse a retomada de grande parte da Ucrânia, sem fazer concessões.

Não há dúvidas de que a posição da Rússia permanece inalterada, afirmou a ministra da Defesa da Lituânia, Dovile Sakaliene, em entrevista. Ela acrescentou: “eles não têm conceito de cessar-fogo, e qualquer concessão é vista como um incentivo para escalar o conflito”.

Putin, um veterano experiente em manipulação, certamente se dedicará no Alasca para apresentar Zelensky como um impedimento intransponível ao estabelecimento da paz.

Nizhnikau, especialista finlandês em Rússia, afirmou: “Trump acredita que pode olhar nos olhos de Putin e fechar um acordo. Ele acredita em seu próprio talento como negociador”. “O problema é que Putin faz isso a vida toda e vai para essa cúpula com a ideia de manipular Trump.”

A última cúpula entre Trump e Putin, ocorrida em Helsinque em 2018 durante seu primeiro mandato, evidenciou sua inclinação a aceitar a versão dos fatos apresentada por Putin. Na ocasião, ele manifestou a ausência de razões para questionar as alegações do presidente russo sobre a interferência nas eleições presidenciais de 2016.

Em 2023, Trump afirmou que a Ucrânia seria responsável pela invasão de seu próprio território e se recusou a apoiar os aliados ocidentais dos EUA no voto de uma resolução da ONU que condenava a agressão russa. No domingo à noite, Zelensky manifestou preocupação de que Trump pudesse ser facilmente “enganado”.

Trump respondeu irritado na segunda-feira, criticando a insistência de Zelensky de que não poderia ceder território. “Ele tem autorização para ir à guerra e matar todo mundo, mas precisa de autorização para fazer uma troca de terras?”, rebateu Trump. “Vai ter troca de terras, sim.”

Contudo, afirmou Charap, o cientista político, “Putin não pode contar com a vitória ainda”. Apesar do controle rigoroso sobre o sistema político russo e os principais meios de comunicação, ele possui preocupações internas, notadamente sobre o tema territorial, caso a troca proposta por Trump se concretize. “Território é um tema explosivo politicamente, especialmente para a Ucrânia, mas também para a Rússia.”

Após anos fomentando o nacionalismo na Rússia, Putin permitiu a ascensão de uma vibrante cultura de blogueiros e comentaristas pró-guerra. Quando um locutor de um programa de notícias semanal da TV estatal celebrou no domingo que o encontro no Alasca poderia marcar o encerramento da denominada “operação militar especial” na Ucrânia, blogueiros nacionalistas responderam com indignação.

Putin, por sua vez, afirmou que “aparentemente decidiu jogar a toalha”.

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Fonte por: InfoMoney

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